VIGÉSIMO PRIMEIRO DIA PARTE I
17/06/2.010 – RIEGOS DE AMBROS – CACABELOS
...A Espanha, para espanto de todos, tida como favorita para a conquista da Copa, que nunca havia perdido para a Suiça em toda a história de seus confrontos, perde de um a zero para a Suiça , sua freguesa de carteirinha e nos jornais , como o gol foi marcado por um negro, a manchete dizia que para a Espanha o chocolate foi muito amargo.
FOTO CENTRO HISTORICO DE CACABELOS
Frio de zero grau à noite,saco de dormir mais uma manta de lã,dor que aumenta quando encosto os dedinhos nos panos que me cobrem e que me faz acordar e tremer de pensar em quando terei que mesmo com essa dores, calçar as meias e as botas, espremer as bolhas em carne viva, e passo a passo cumprir mais uma etapa de 30 quilometros de caminhada, isso sabendo que o primeiro trecho seria de 12 ladeira abaixo.
Como tudo o que está ruim, tende a piorar ainda mais , com as bolhas não foi diferente, pois é meus amigos, a dez antes das seis iniciamos a caminhada, num trecho que mais parecia a trilha da cachoeira de Ubatuba, só que fora da picada em meio mata , pelo meio das pedras sem água é verdade, mas a quase zero de temperatura.
A sorte é que os efervescentes do José se não fazem efeito nele em mim são fantásticos, duas horas depois de tomados me esqueço das dores e ai ninguém me segura.Tomo a frente dos meus amigos espanhóis pois sei que mais à frente as dores voltarão e aí eu não mais conseguirei acompanhá-los e desenvolvo uma caminhada frenética descendo ribanceiras em meio às pedras, subindo ladeiras num ritmo alucinante, perseguindo obstinadamente setinhas amarelas e e outras indicações nas pedras e árvores do caminho,cantando e uivando feito lobo perdido na busca da sua alcatéia.
VIGÉSIMO DIA PARTE II
Em MOLINASECA nos encontramos num café, tomamos o café da manhã e depois nos despedimos, minhas dores não me permitem acompanhá-los fica a esperança de nos encontrarmos no albergue municipal de CACABELOS, o que não acontece , creio que estenderam a caminhada até VILLAFRANCA DEL BIERZO oito quilômetros a gente, e dessa forma se não mais os encontrar o jeito é procurar outro peregrino com o carregador de baterias igual ao do companheiro LUCIO ou então economizar nas fotos daqui pra frente..
FOTO LADEIRA A CAMINHO DO CEBREIRO
Foi bom termos nos encontrado e muito saudável nos termos separado ...
Na entrada de PONFERRADA, cidade grande, tipo CAMPINAS, com uma catedral imensa e um viaduto enorme na sua entrada, antes do viaduto as minhas preces de se possível evitar as dores que nesse momento eram insuportáveis , e do nada, umas setinhas brancas, nas guias da calçada, indicando um caminho alternativo, que evitava o transito pela cidade, margeava um riacho , e meu corpo se encheu de esperança , meu coração se alegrou tanto que as dores foram embora.
VIGÉSIMO DIA PARTE III
Feliz com o novo caminho, mas algo perturbava, não via mais nenhuma setinha amarela, só o riacho à minha direita, mas nada, absolutamente nenhuma indicação da certeza do caminho. Comecei a ficar preocupado, comecei a lembrar que peregrino deve seguir setinhas amarelas, não havia uma única indicação de que deveria seguir setas brancas.
As dores, agora com a sensação de estar no caminho errado voltaram com mais intensidade, pois já estava ficando com a certeza do erro e de que deveria enfrentar aquele viaduto e o que era pior, refazer todo aquele trecho que eu havia percorrido ao lado do riacho, quando do nada me surge no caminho, um corredor , que ao me ver , pára e me confirma o que eu temia, eu estava completamente fora do caminho e que aquelas flechinhas brancas haviam sido colocadas no passado para indicar a rota de uma corrida rústica.
Tamanho sofrimento , voltar ?, colocar mais alguns quilômetros na bolsa dos quilômetros perdidos?, tenho alternativa ? Segundos de dúvida e sim , tem sim cara, pode seguir em frente, encontrarás uma ponte, depois da ponte uma ladeira, ladeira essa com um guarda corpo de madeira , no topo uma igreja, ao lado da igreja, um viaduto e já estará novamente no caminho.
A angústia nos limita os sentidos, nos cega parcialmente, limita a nossa audição para o que queremos ouvir, e a memória para o que queremos guardar.
De tudo que ele havia falado guardei. Uma ponte , uma ladeira e estarás no caminho. Certo ?
Errado !
Enquanto caminhava, recordava as feições do amigo corredor, barba comprida, olhar tranqüilo, feições muito parecidas com a de um anjo e revia suas instruções. Uma ponte beleza, vejo uma poucos metros à frente. Uma ladeira, vejo uma antes da ponte. Bastões de alpinismo nas mãos, um parênteses , uma das melhores aquisições, ajudam e muito na caminhada pois auxiliam na descida de forma impressionante, e na saída então funcionam como se você tivesse mais duas pernas e por duas vezes impediram que eu sofresse uma lesão nos tornozelos, mas que no Brasil são demasiadamente caros, na França em Saint Jean Pied Port saem por 10 euros cada- olho a ladeira , respiro fundo e de uma fungada, passo a passo vou subindo a rampa, as dores vão embora, adrenalina a mil, chego no topo fungando mais que cavalo gripado no cio, e na minha frente um alambrado e depois dele uma linha férrea.
Pôxa o anjo corredor não falou nada da linha do trem, mas no alambrado , uma viga de madeira de seis por doze colocada no alambrado junto com dois blocos indicava que eu devia pular a cerca.
FOTO TORRE DA CATEDRAL DE LEON
Pular a cerca, com a mochila nas costas, não é tarefa fácil, com dores pior ainda, mas voltar, descer a rampa , isso sim seria terrível, melhor seguir em frente, então vou em frente, pulo a cerca,de um lado duas paralelas que se encontravam no infinito, do outro a cidade, mas para chegar na cidade teria que atravessar a ponte, pela linha do trem um risco enorme pois sei que na Espanha tem um trem de altíssima velocidade que atravessa todo o país, que fazer?
Quando estamos perdidos maior é a velocidade que desenvolvemos e assim nos afastamos mais ainda da rota correta,quando uma falha é cometida, cometemos outras em seguida, até que o erro que a princípio era pequeno se torna irreparável, completamente sem solução.
Atravesso a linha, rezando para o trem não vir, com todos os sentidos superligados, adrenalina a mil, do outro lado da linha, outro alambrado, agora não tinha nem a viga nem os blocos , não tinha também nenhum sinal de que eu deveria pular esse alambrado.
Olho para os lados do lado da ponte uma pista marginal, mal cabia uma pessoa, mas me permitia atravessar a ponte com segurança, sem temer o trem bala que poderia passar a qualquer instante.
Atravessando a ponte vejo a poucos metros outra ponte, e por sobre ela passam carros, de um lado uma igreja e agora recordo que o corredor havia dito, a igreja, o viaduto e estarei no caminho.
Desço a ribanceira ao lado da estrada de ferro escalando muros, pulando alambrados e chego do outro lado do riacho ao lado da ponte férrea, cansado, mas feliz, pois tinha no meio ângulo de visão uma pontinha sobre o riacho e do outro lado dele a igreja, o viaduto e o retorno ao caminho.
Sigo em frente, vejo a ponte, depois da ponte a rampa com os guarda corpo de madeira. A escalada é puxada, mas no topo a igreja e o viaduto. Estou co caminho ? Páro um transeunte , ele IPOD nos ouvidos, eu peregrino perdido, bastões nas mãos, mochila nas costas, bandeira do Brasil na mochila, suor que banhava todo meu rosto, nos olhos a esperança da resposta que não vem , foge de mim empurrado pela pressa de chegar não sei aonde.
Pergunto para uma senhora qual o Caminho , indica a direção, estou próximo , na realidade já estou nele só não percebia, olho a placa da rua CALLE SANTIAGO, percebo que esse era o caminho antigo, sigo em frente até a AVENIDA CASTILLA e voilá estou no caminho, não sem antes rezar uma dúzia de pais nossos e outras tantas de aves marias.
Antes de retomar o caminho propriamente dito, mais uma BODEGA, VIÑAS DEL BIERZO, uma taça de vinho e um pedaço de tortilha e a eliminação de todas as dúvidas que eu havia carregado pelos últimos quilômetros da caminhada.
VIGÉSIMO DIA PARTE IV
O albergue de CACABELOS fica junto da igreja, uma série enorme de cabaninhas com duas camas cada uma , e na cabine 10 fico ao lado de um italiano que ronca, mas ronca muito, tanto na soneca da tarde como na da noite.
Como todo pueblo, CACABELOS tem sua catedral do sec XV, igreja do sec. XII, um rio muito bonito, nas suas margens um jardim lindíssimo, no qual fiz meu almoço, um lanche de JAMOM, um vidro de PIMIENTOS DEL BIERZO , meio litro de vinho, a outra metade fica pra janta...
Sol de 24 graus. Tempo irme. Vento forte.Lavo toda a aroupa inclusive a toalha, as calças, o agasalho e as camisas, cuecas e meias.
Durmo duas horas depois de falar quatro minutos com a Lourdes.A saudade é tanta que fica difícil controla r o tempo da conversa,mesmo quando os dois tem plena ciência da necessidade de falar pouco acabamos falando mais do que planejamos.
Como de manhã faz muito frio, comprei um xale , dezenove euros, mas que me protegerá os ouvidos , o peito e a garganta, comprei também um pacote com 40 efervescentes pois os que eu tinha ganhado do Jose terminaram,pomada de xilocaina para as dores matinais e mais um rolo de esparadrapo micro poro usado nos pés de forma preventiva onde as bolhas tem maior probabilidade de se desenvolver.
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